
Nessa entrevista com a aderecista de de figurino da Rede Globo Aline Nogueira, vamos conhecer um pouco mais sobre como é o trabalho que envolve os figurinos e adereços de uma produção. Além disso, saberemos um pouco mais sobre os percalços e as dificuldades de quem quer trabalhar com artes, o que é muito importante para quem está iniciando sua carreira e não sabe quais problemas pode encontrar pelo caminho. Também veremos como é prazeroso e o quão dedicado e estudioso é preciso ser para trabalhar na área.
O que é e para que servem os figurinos e os adereços? Qual é a importância deles?
Os figurinos e adereços são adornos que fazem parte da composição de um personagem. Sua importância é fundamental para retratar de forma visível e sensitiva a sua história. O figurino é a forma materializada da história daquele personagem e sua personalidade. Para cada perfil que compõe o enredo de uma novela, por exemplo, é necessário um estudo de quem é, onde essa pessoa vive, em que ela trabalha, sua classe social e qual sua maneira de ver o mundo. O figurino e seus adereços precisam retratar de forma plástica essas características, para que o personagem e sua história transmita verdade e cause sensações no expectador. Por exemplo: se é uma novela que se passa em outro século, temos que tomar cuidado para não errar a silhueta da vestimenta daquele período. Além disso, é preciso saber se o personagem que viveu nessa época era rico, era pobre, era um servo, um artesão e etc. Tudo é estudado com muito cuidado com objetivo de conseguir o envolvimento do expectador com a história.
Como funciona o processo de criação do figurino? Esse processo muda muito de um trabalho para outro?
O processo de criação do figurino começa no texto. Primeiramente, é feita uma decupagem de cada personagem, de quem é e como é. Em alguns textos o autor já descreve como tal personagem se veste, mas muitas das vezes é da leitura da personalidade que a figurinista determina qual cor e tipo de estilo que o personagem melhor se encaixaria. Depois de absorver a ideia do texto, busca-se referências que melhor definem o que foi pensado. Podem ser imagens de obra de arte, imagens de outras produções cinematográficas, fotografias atuais ou de época. Dessa mesma forma, determina-se uma cartela de cor que será utilizada em toda a trama. São feitas pranchas com essas referências e cores para iniciar visualmente a composição de cada personagem. A partir dessas pranchas são desenvolvidos desenhos ou seleções do vestuário do personagem.
Qual é o tempo médio de criação e desenvolvimento?
Depende da produção e de quanto tempo temos para produzi-los. Para uma novela, por exemplo, a pré-produção dos figurinos duram em média 3 meses antes da estreia. Para cinema e teatro depende muito de quanto tempo é doado para essa produção.
Você faz a confecção das peças? Você costura? Você tem auxilio neste processo? Ou apenas faz a criação, idealização, desenho das peças? Estas podem ser compradas em brechós e lojas? O que é mais comum: confeccionar ou comprá-las?
Eu costuro sim e de certa forma faço parte da confecção das peças. Meu trabalho é de beneficiamento e adereço dos figurinos. Depois do processo de criação e idealização de todo o elenco, as peças passam pelas modelistas e costureiras para confecção. Há também aquelas que são compradas em loja e brechós. Para fazer um figurino não precisa necessariamente confeccionar tudo. Utiliza-se também peças usadas, inclusive do próprio acervo de figurino da empresa. Meu trabalho é o tratamento final da produção de figurino. Como falei antes, a roupa deve trazer a personalidade e a história que o personagem carrega. É no meu departamento que produz-se a poética nas roupas através da arte têxtil. No departamento de beneficiamento e adereços confeccionamos da chapelaria à arte têxtil, que é o processo de tinturaria dos figurinos, estamparia, vivência, envelhecimento e todo tipo de beneficiamento que se pode dar na superfície de um tecido com o propósito de retratar de forma plástica o conceito que o diretor de arte determinou.
Qual é a relação entre seu trabalho e a moda? O que ela influencia em seu trabalho?
O trabalho de figurino tem uma ligação muito forte com a moda, pois é necessário sempre uma pesquisa tanto histórica quanto contemporânea para desenvolvê-los. Se a novela, série ou filme se passa no período contemporâneo, por exemplo, é fundamental conhecer o comportamento de consumo atual. O que as pessoas estão usando, o que é moda em determinada região e tudo mais. O figurino também faz pesquisa de tendências e por muitas vezes as tendências foram lançadas em novelas e caíram no gosto popular.
Como é o seu trabalho na Rede Globo? Você é responsável por quais tipos de tarefas?
Como comentei anteriormente, meu trabalho pode ser descrito de forma múltipla. Eu não desenvolvo apenas uma tarefa, tenho uma rotina de trabalho muito diversificada. Eu trabalho com chapelaria, adereços diversos e arte têxtil (Pintura, estamparia, tingimento, envelhecimento), restauro de peças, reconstrução e reprodução de peças do acervo ou compradas fora.
Como ou porque você escolheu sua profissão?
Eu, quando criança, tinha o costume de desenhar alguns vestidos que gostaria de usar na igreja e minha mãe cortava e costurava para mim. Sempre achei muito legal isso. Adorava desenhar, pintar, misturar tintas e fazer coisas bem loucas com elas. Sempre gostei também de poesia e quando estava no ensino médio tinha a certeza que queria fazer letras. Quando tentei o vestibular, demorei um pouco para conseguir ser aprovada nas universidades públicas e não tinha condições de ir para uma universidade particular. Então, enquanto não saáa alguma aprovação, decidi fazer uma prova para o curso técnico de moda na FAETEC por pura curiosidade e também para não ficar ociosa e triste de ainda não ter ingressado na faculdade. Durante o curso fui me apaixonando por esse mundo. Eu não sabia que dentro da moda tinha tanto trabalho e arte envolvido. Quando estava caminhando para final do curso, fui aprovada em letras na UFRJ. Fiquei muito feliz, mas quando comecei as aulas, percebi eu tinha mudado muito minha forma pensar e o que eu queria para minha vida. Descobri, então, que na Escola de Belas Artes da UFRJ tem o curso de Artes Cênicas com habilitação em indumentária, Lá peguei umas matérias para ver como era e foi aí que me encontrei completamente. Vi que ali que eu deveria estar. A partir daí começou minha história com figurino cênico.
Como foram seus primeiros empregos nesta área? Foi fácil conseguir seus primeiros trabalhos? Como foi o início da sua carreira?
Não tem como dizer que foi fácil. Sendo muito honesta foi e ainda é um caminho bem complicado, principalmente para pessoas que não possuem muito poder aquisitivo. A arte nesse pais não é vista como fundamental. Logo, conseguir emprego e encontrar pessoas que valorizem e respeite seu trabalho exige muita persistência e determinação.
Meu primeiro trabalho foi em uma agência que não me pagava e me fazia acreditar que aquilo seria bom para meu currículo. Tinha o objetivo de fazer produção de moda nas fotografias. Mas, quando me dei conta eu estava atendendo telefone, pagando contas e até mesmo lavando banheiros. Eu era inexperiente e demorei a entender o que era oportunidade e o que era exploração. É preciso tomar muito cuidado, há muitas pessoas com más intenções nesse meio e que vão te convencer que toda exploração será útil para seu currículo e para seu desenvolvimento pessoal. Não vai. Não caiam nessa conversa.
Depois, durante a faculdade atuei em ONGs fazendo oficinas de modelo para crianças e também dei aula de assistente de figurino pelo PROJOVEM, juventude cidadã. Aprendi muito dando aula para pessoas carentes de educação e até mesmo de afeto. Foi fundamental para meu crescimento humano. Sempre digo que aprendi mais do que ensinei.
Trabalhei como monitora na faculdade dando auxilio para a professora durante suas aulas. Participei dentro da UFRJ do núcleo de neurociência confeccionando objetos cênicos para crianças para compreensão de forma lúdica de como funciona nosso cérebro. Passei pelo carnaval na escultura em espuma por 3 anos. companhia de circo como assistente de figurino e costura. Assistente de figurino e produção no Centro Cultural do poder judiciário. Figurinista em uma das produções do Nós da Baixada e outras peças na CAL. Monitora de oficina de arte na Caixa Cultural. Até que, por fim, fui trabalhar na Rede Globo pela indicação de uma grande figurinista para trabalhar no beneficiamento de figurino. Primeiramente, entrei como temporária e hoje estou como efetiva tentando sempre dar o meu melhor com a determinação de crescer mais na profissão que escolhi.
Quais foram as maiores dificuldades que você teve no início da carreira?
Oportunidade de trabalhar em lugares sérios. Todos exigiam muita experiência e naquela época não havia projetos como o Jovem Aprendiz. Falta de condições financeiras para ajudar nos custos dos meus estudos, materiais e projetos. Morar longe também me limitava em conhecer pessoas, lugares e novas oportunidades.
Quais são as maiores dificuldades de quem trabalha com artes? Ainda existe preconceito por parte das pessoas? Ainda existem pessoas que desvalorizam profissões ligadas à arte?
A falta de investimento na cultura e também a desvalorização do artesanal até mesmo de pessoas que trabalham também com a arte. Quase ninguém aceita e entende o valor do trabalho manual. E sim, ainda tem muito preconceito. Até consegui um emprego fixo fui muita taxada de desinteressada e sempre falavam para eu procurar algo que desse dinheiro.(Engraçado que essas pessoas que possuem um emprego convencional estão tão pobres como eu. Não sei qual é a diferença... rsrsrsr) O que você acha mais prazeroso na sua profissão?
A diversidade. Não existe monotonia, pois cada dia é diferente. Também o prazer de ver o resultado final e perceber que meu trabalho fez toda diferença naquela imagem. O que é mais importante para quem quer trabalhar nesta área?
Determinação, acreditar no seu talento e continuar estudando sempre.