Poesia
A poesia é uma forma de comunicação do artista com o mundo, que pode ser feita através de palavras ou não. Pode estar associada a diversas manifestações artísticas, seja na literatura, nas artes plásticas, na fotografia, na música ou no cinema. É tudo que sensibiliza, desperta sentimentos e comove. Geralmente, traz conteúdos psíquicos e, justamente por isso, para compreendê-la o receptor deve estar aberto a novas experiências sensoriais.
Nesta página, está uma pequena amostra da poesia de Carol Moryc. A artista começou a escrever enquanto ainda estava em período escolar, ora movida pelo incômodo com as injustiças sociais e políticas; ora inspirada nos conflitos de pessoas à sua volta. Seu objetivo era escrever sobre aquilo que a inquietava e levar o outro a uma reflexão sobre sua realidade interna ou externa, e as possibilidades de mudar e viver melhor através da crítica construtiva.
Ano: 2000
Título: Droga
Em sua juventude, já não borbulham mais como champanhe
A emoção procura algo mais forte para se reproduzir
E na ansiedade de minutos de felicidade e paz
Morre o amor por si e por todos
Começa o desespero pela procura da alegria
Que pode ser encontrada em meio a perturbações
Bebe o cálice da autodestruição
Sente o perfume da rosa das trevas
Enquanto corre o sangue heróico em suas veias
E, de repente, tudo parece carnaval
Serpentinas, alegria e fantasias
E se descobre um mundo novo, fantástico
Até que o tempo dá seus passos curtos e acaba com a festa
E na ansiedade de minutos de felicidade e paz
Definitivamente já não borbulham mais
A emoção não encontra
Recomeça o desespero
A rosa perde seu perfume
E o sangue não quer correr mais
E se descobre um mundo novo, fantástico
Pois o tempo dá seus passos longo
Acaba a festa
E o ser acaba.
Ano: 2001
Título: Cidade em apuros
A cidade está em apuros
Não sei pra onde mais correr
Os anjos voam sobre nossas cabeças
Mas é inútil diante do caos
Na terra anticristos no poder
No céu santos cheios de missões
Na igreja velas e promessas
E nas cadeias só rebeliões
Escuto a música do tormento
Cirenes ligadas anunciam desespero
Armas a favor do despreparo
Cemitério, moradia do injustiçado
Do inferno o pão nosso de cada dia
Do céu o inferno nos dai hoje
Da terra a fome ressecada
Da barriga o ronco marginalizado
Vejo o rosto da pobreza
Convivo em meio ao descaso
Isso ao lado da beleza
É uma porcentagem do fracasso
Ano: 2002
Título: Censura do preconceito
Já não é preciso mais lutar contra a censura
Cuidado com as autoridades
Com o que se diz que quase com o que se pensa
Mas cuidado com a hipocrisia de quem acha que tudo está no seu lugar
Já não há censura
Mas só na TV, pois ela está na cabeça das pessoas
E tem nome e sobrenome
Censura do preconceito
E porque não parar pra pensar no assunto
Sem fungir que tudo está como deveria ser?
Vai da lei até o indivíduo
Pra quem está fora do falso padrão
Não é preciso provar nada pra ninguém
A não ser para si mesmo
Agir reflexivamente com fidelidade
É o bastante pra quem te ama de verdade
Talvez seja por isso que é melhor não temer errar
Até mesmo porque ninguém está livre disso
E o erro da o conhecimento e o orgulho
De acertar na segunda vez
Ninguém espera de ninguém
Mais do que espera de si mesmo
Julgamentos, no fundo, alimentam ilusões
De que quem julga é quase perfeito
Mas isso não importa
O que importa é a consciência
E pra que perder tempo com hipocrisia
Se já temos tantos problemas.
Ano: 2002
Título: Saudades
Inexplicavelmente, no peito apertado
Saudades dos braços
Abraços
Não bastasse, saudade dos olhares
Dos sorrisos
Risos
Dos estalo, barulho no ouvido
Dos beijos
Lábios
Das mãos que acariciam
Suaves
Passam
Inexplicavelmente, imagens retas trazem
Saudades
Saudades
E já não posso vê-las mais
Saudades de me largar em seus braços
Viver pra ti
E dentro de ti.
Ano: 2002
Título: Órfão de governo
Órfão de governo
Miseravelmente sem moradia
Comendo mosquitos pelas ruas
Beijando restos de laranjas nuas
Para a bebida, a saliva
Para aquecer, o desprezo
Para limpar, a sujeira
Para dormir, o medo
Órfão de governo
Numa vida ordinária
Mendingando dinheiro
Banhado em desgraça
Para comer, as palavras
Para convivência, a distância
Para sustento, o chão
Para vivência, órfão de governo
Órfão de população
01 de outubro de 2003
Título: O que corre em minhas veias
Eu estupro meu corpo
Usurpo minha consciência
Por um minuto
Nesse silêncio de expectativa
Esqueço a dor me atormenta
Sou homem, sou herói
Mas meu suor é traiçoeiro
O meu corpo chora meu fracasso
E já não tenho armas para lutar contra mim mesmo
Minha fuga é mais simpática
Meu sorriso não é mais meu
Sou agora um personagem
Que corre em minhas veias
Sou eu mesmo me prendendo
Me caçando em minha teia
Me devoro, me escondo
Me atrapalho nos meus braços
Me afogo em mim mesmo
Na solidão não solitária
Não existo, eu desisto
De viver perto de mim
E me esmago violento
Nesse estupro vicioso.
Ano: 2000
Título: Barco de sentimentos
Enquanto dorme a alegria em mim
A saudade parece sonhar acordada com minha infância calma
E desperta a tristeza na consciência
Onde vive a ilusão de ir além ao olhar pra trás
No interior navega um barco em direção ao principal
Maré cheia, ventos, chuvas
O barco vira
E o que estava ali transborda em meu coração
Se perde o passado, a felicidade e a angústia
Lentamente afunda na memória, o prazer
Enquanto bóiam a sabedoria e a esperança
Chora o amor quando morre o regresso
E a alegria acorda estonteante
Ao ver que a esperança sobrevive ao lado da saudade
Que sempre sonha acordada em mim
Ano:2000
Título: Pequeno desprezado
O frio é meu companheiro passageiro
E a solidão minha melhor amiga
Aquela que sempre está do meu lado
Meu sono está nos meus olhinhos fundos e sem brilho
Que choram lágrimas de fome
Meu olhar perdido procura se encontrar
Assim como eu também procuro (encontrar a beleza do dia a dia de que os homens tanto falam)
E nesse caminho de espinhos eu choro
Mais ainda quando tento tocar a beleza das flores espinhosas
Sou pequeno demais pra entender o que é o amor
Mas pareço ser grande o suficiente pra entendender o que é o desprezo
Mesmo tendo em mente que sou um inocente perdedor
Continuo a andar pelas trilhas da vida de mãos dadas com a solidão bandida
Essa sim nunca me abandona e sabe me ouvir
E sempre me dá as respostas que eu preciso (respostas que eu busco dentro de mim)
Ela é meu pai e minha mãe
E assim dividimos tudo que temos em comum
A tristeza do abandono, do desprezo, do preconceito, da ingratidão descarregada num ser só
Continuamos a andar sem pressa, já que é certo não ter ninguém nos esperando no fim do caminho
Mas o fim chega mais rápido que o esperado
E a angústia e a fome fazem o que os outros homens queriam: sacam o revólver contra mim!
Eu morro como alguém que será menos um peso no mundo
E levo comigo a vergonha de um lugar incompetente
Em cuidar de seus pequenos desprezados
Ano: 2002
TíTulo: Retrato falado
Pérolas e pérolas escritas sobre papéis em branco
Tocados por mãos suadas de amores passados
Pousadas sob olhares de brilho e sonho
De quem nunca pode abandonar a dor da solidão
Sobre o mesmo papel, lágrimas secas
Que chegaram a molhar a tábua da mesa
Sofrida com a conseqüência das dores dos amores
Onde ainda se podia ler o que dizia o coração
A vontade era tanta
Que o papel abrigava sensações soltas em sentimentos
E sentimentos presos a sensações
De modo que os papéis ficavam em branco
Toda noite, juras de amor sem pressa
Ditas pela boca que ainda espera saliva
Em troca de dores despedaçadas
Por tanto tempo em vão
Somente os papéis podem ouvir
O que tem a dizer as mãos que tocaram tantos corpos nus
Mas, que não se apoderaram daquela – que mesmo com o passar dos anos – era a perfeição
(Esses) Corpos desenhados na lembrança
de nada valem hoje
São feições passadas que já não são de se querer
Onde suas palavras não chamam mais atenção
No passado e no presente
Sob a penumbra
O papel recebe a dor que vem a tona
De um homem abandonado desde o passado pelo seu amor.
Ano: 2002
Título: Dignidade
O que já não importa mais
que era o passado necessário
Foi deixado de vez para trás
Agora basta olhar e querer mais uma vez
Algo que não se sabe o que é de fato
a não ser na lembrança
que no fundo suspira pelo último momento
em que se pode ter o que deveria ser perdido
para dar lugar a dignidade.
Ano: 2002
Título: Escondendo-si
Não é assim que se pensa
Não é assim que se vive
Derramando lágrimas sobre restos
Esquecer sonhos
Esconder erros
Ter medo de encarar seus olhos
Em frente ao espelho
Não se joga fora uma vida
Como se apagada um cigarro
Não se esconde dentro de si
Como se o presente fosse passado
Nos olhos as lágrimas nunca são as últimas
Dos erros um homem não está safo
Dos sonhos nasce uma criança
Chamada esperança
Palavras não dizem nada
Olhares não sabem ouvir
Não são as mãos que tocam
As verdades dentro de ti
Não há razão para criar cinzas de si
Quando se ama
Ninguém tem razão
Você perde a razão
Pra ser si cheio de si
Ano: 2006
Título: Orgulho
O orgulho é uma sombra ao espelho:
Por mais que se olhe
É difícil enxergar
E quase que impossível
Tocar a verdade
que existe dentro de si mesmo
Camufla a sinceridade
E mascara sentimentos
Aflora o egoísmo
E cria um obstáculo
Não só para chegar perto de si mesmo
Mas também para chegar perto
De tudo que é profundo e verdadeiro
© Todos os direitos reservados