Desde 5 de junho o canal a cabo Viva exibe a novela Fera Radical. Exibida originalmente pela Rede Globo entre março e novembro de 1988 no horário das 6 da tarde e reprisada no Vale a Pena Ver de Novo entre dezembro de 1991 e maio de 1992, a trama de Walther Negrão conta a história de Cláudia (Malu Mader). Única sobrevivente da chacina que matou sua família na pequena cidade fictícia de Rio Novo, a menina cresce determinada em se vingar do causador da tragédia mesmo sem saber exatamente de quem ela quer mesmo se vingar. Já adulta, Cláudia consegue colocar seu plano de vingança em prática. Troca a vida confortável na zona sul do Rio de Janeiro por um emprego de analista de sistemas na sede da fazenda de Altino Flores (Paulo Goulart), patriarca de uma das famílias dona do frigorífico que movimenta a economia de Rio Novo. A chegada da forasteira revoluciona a vida da família Flores. Que é Altino, sua esposa, a amarga Joana (Yara Amaral), e seus filhos Olívia (Denise Del Vecchio), Fernando (José Mayer) e Heitor (Thales Pan Chacon). Mas será que foi algum Flores o mandante da chacina? Ou será que o mandante foi Donato Orsini (Elias Gleiser) que também é poderoso na cidade? Vale a pena mesmo essa vingança tantos anos depois do ocorrido? Perguntas que os 203 capítulos da trama aos poucos vão respondendo.
A atual reprise do Viva desperta vários sentimentos. Começando pela curiosidade de quem era muito pequeno ou nem era nascido nas outras vezes que a Globo exibiu a novela, que só a conhece através de cenas exibidas especialmente no Vídeo Show e por informações encontradas na internet. Passando pela saudade vinda especialmente das crianças e adolescentes do final da década de 80. Adultos de hoje em dia que reencontram nas aventuras de Cláudia, Fernando e companhia lembranças agradáveis do passado, de uma época tão cultuada de maneira especial na televisão e na música. E também pela percepção das mudanças em vários aspectos que aconteceram com o passar dos anos. A informática sendo abordada numa novela era inovador em 1988, mas hoje em dia é tão banal, presente até demais no mundo em que vivemos, incluindo a teledramaturgia. Chegando na saudade dos nomes do elenco da novela que já não estão mais entre nós e que a reprise ajuda a matar um pouco dessa saudade. Especialmente de Yara Amaral, que faleceu pouco mais de 1 mês depois do término de Fera Radical no naufrágio do Bateau Mouche na Baía de Guanabara, uma triste lembrança do Réveillon de 1988 pra 1989.
Fera Radical é uma novela de um tempo que as novelas estavam mais presentes nos assuntos das rodas de conversa. Mas que também traz lembranças que as coisas nem sempre foram como pareceram ser. Malu Mader e José Mayer, depois de interpretar vários coadjuvantes, eram protagonistas de novela pela primeira vez. Ela, na época com apenas 21 anos, vinda do sucesso de suas duas personagens anteriores, a rebelde Glorinha da Abolição da novela O Outro (1987) e a romântica Lurdinha da minissérie Anos Dourados (1986), a primeira protagonista da atriz na televisão. Ele estreando como protagonista em duas produções exibidas ao mesmo tempo. Além da novela, também na minissérie O Pagador de Promessas, exibida originalmente em abril de 1988 e, claro, gravada antes do começo das gravações de Fera Radical. 29 anos depois não faltam questionamentos em cima de quem consegue pela primeira vez o papel de protagonista da novela. Especialmente se for uma atriz, reflexo de uma sociedade que não parece ser tão evoluída como dizem que é. A novela também dialoga com seu passado e seu futuro. Lembra do tempo que já parecia distante nos anos 80 quando Lourdes (Cleyde Blota) sonha com um bom ca$amento pra sua filha Beth (Alexandra Marzo) e alerta a garota pra ter cuidado com o seu "tesouro". Também mostra que o futuro já era presente e nem sempre as relações sociais eram sempre boas quando o vilão Jorge (Rodrigo Santiago) assedia moralmente querendo assediar também sexualmente suas subordinadas no trabalho e comete falcatruas contra a empresa pra enriquecer sozinho.
O comportamento do personagem Fernando mostra que o estereótipo que José Mayer conquistou com a ajuda de vários personagens que interpretou vem pelo menos desde a década de 80. Fernando é rude, bruto e conquistador. Se envolve com Marília (Carla Camuratti), Cláudia e também foi o amor platônico de sua sobrinha Ana Paula (Cláudia Abreu). Muda o nome, muda a profissão, às vezes é o homem do campo, outras vezes, o homem da cidade. Mas a essência do personagem é um filme que vimos antes e principalmente depois de Fera Radical. Seria Fernando muito José Mayer ou José Mayer muito Fernando? Uma pergunta que não quer calar.
A novela também lembra que a trama da menina que sofre uma grave injustiça no passado e quando adulta vai se vingar não é nem um pouco inédita e inovadora. Não nasceu com a Rita/Nina (Débora Falabella) da novela Avenida Brasil (2012) e nem na série americana Revenge. Não era uma trama inédita nem na obra de Walther Negrão. Cláudia teve como inspiração outro protagonista criado pelo autor, só mudou o sexo. O motoqueiro Rodrigo (Tarcísio Meira) voltava a pequena cidade onde nasceu pra vingar a morte de sua família na novela Cavalo de Aço (1973). Mas a inspiração veio mesmo do teatro. Da peça A Visita da Velha Senhora, escrita pelo suíço Friederich Durrenmatt em 1956. Sendo assim mais um caso que mostra que nem sempre a originalidade é tão importante assim, o melhor é que seja uma história tão bem contada que possa ser recontada outras vezes e de outras formas também.
O Brasil que viu Fera Radical pela primeira vez não mudou tanto assim em relação ao Brasil que vê a novela e se diverte com ela pela terceira vez. Mas continua bem noveleiro, gosta de relembrar o passado através das novelas exibidas pelo Viva, um tempo de gostosas lembranças, mas que está muito longe de ser perfeito. Assim como temos um álbum de fotografias que desperta muitas lembranças, Fera Radical é uma fotografia do grande álbum televisivo que é o canal Viva. Mas quem sabe em breve volto aqui pra falar mais deste álbum tão especial.