“Os verdadeiros ovários são os da alma, na alma estão os verdadeiros genitais. Sem alma não se chupa nem um chicabom.” Essa é umas das minhas declarações preferidas de Nelson Rodrigues. Nela vejo que era muito mais do que o “pornográfico”, “pervertido” que muitos por vezes o apelidaram.
Eu diria que o conteúdo do autor é muito profundo para ser apenas dito como pornográfico. Uma vez que, no meu entender, pornografia é a nudez apenas com um intuito masturbatório preconceituoso e que denigre a inteireza do ser, resumindo-o apenas em um corpo físico.
Em Nelson Rodrigues, penso que a nudez é aceita como parte do ser, uma nudez que revela a beleza do corpo humano livre de clichês, a nudez que revela a complexidade das conexões existentes entre pensamentos, sentimentos e ações que explodem no universo interior de cada pessoa, em cada um de nós, e que muitas vezes ficam escondidas, tentando caber nas formas das máscaras sociais.
Uma das grandes façanhas de Nelson é usar seus personagens para tirar das sombras e trazer à luz, dá um “zoom”, nas grandes feridas cotidianas de nossa sociedade de cada dia. Principalmente, explorou a dificuldade e a imaturidade de uma sociedade que não se resolveu com a sua questão mais primitiva: a sexualidade.
Seus personagens são “mocinhas de família“ que sonhavam em ser prostitutas, uma mãe que levou o amor possessivo ao filho até as últimas consequências, competindo ferozmente com a nora. Outros personagens sofriam intensa solidão por serem homossexuais. Outra personagem era uma mulher branca que sofre por amar um homem negro, outra colocou a vida a perder para conhecer uma estrela de cinema, outros eram homens que foram traídos porque para eles a mulher era santa demais para ser tocada. Entre muitos outros personagens, que mentiram, roubaram e se corromperam por fama, poder e reconhecimento...
Por isso, gosto desta declaração, “Os verdadeiros ovários são os da alma, na alma estão os verdadeiros genitais. Sem alma não se chupa nem um chicabom.” Nessa, entendo que para Nelson, o desejo era mais do que carne, era sangue, espírito, alma e por último o corpo, não como um fim, mas por consequência.
As paixões, os delírios e fetiches em Nelson Rodrigues vem de lugares muito mais profundos. Vem daquele lugar onde estamos gritando perguntas e suplicando por respostas, em que estão nossos anseios, medos, desejos e mais do que tudo, percebemo-nos impotentes, carentes, então suplicantes pelo calor, por causa da falta que nos faz o verdadeiro amor do outro.
Nelson Rodrigues (1912-1980) escreveu ao todo 17 peças de teatro. Além de dramaturgo era jornalista e cronista. Ao longo de sua trajetória, seus personagens se destacaram na dramaturgia por ter a descrição de uma psique complexa como a de um indivíduo real, que não pode ser rotulado de vilão ou mocinho, pois cada um tem como na vida real, seus valores próprios, suas virtudes e fraquezas. Logo, isso contribuiu para o desenvolvimento do teatro brasileiro e até hoje, essas peças e personagem são usadas como exercício desafiador no aperfeiçoamento para performance de atores em muitos cursos.
Diferente do que pensam os leigos, em seus textos originais, as obras de Nelson, não tem cenas de nudez em sua maioria, sendo a única em Toda Nudez Será Castigada (em que Geni mostra os seios para Herculano) e nem palavrões. Então, toda sua polêmica ficou por conta da sagacidade do autor em apenas tocar pontualmente nas questões ocultadas, porém prestes a explodir a ponto de bala, que eram presentes em sua época.
Para a surpresa dos seus seguidores e demais público, sua última peça Anti-Nelson Rodrigues, traz um desfecho impactante, todos esperavam que ao final da última cena, a protagonista ficasse com o dinheiro e não com o amor, porém ela rasga o cheque e escolhe então ficar com o amado. Com essa, tiro a conclusão que o autor sai de cena, dando bem o desfecho de seu recado. A questão não é maldade é a falta do amor. Sem alma, não se chupa nem um chicabom!