Mais um Carnaval veio e as escolas de samba entraram na avenida mostrando seus enredos na telinha da Globo. Na sexta e no sábado com o grupo especial de São Paulo para a maior parte do Brasil. Exceto o estado do Rio de Janeiro, que conferiu o desfile das escolas de samba do grupo A, mais conhecido como o grupo de acesso que disputa a tão sonhada vaga para o grupo especial. Que desfila no domingo e na segunda de Carnaval.
Mesmo com o Carnaval paulistano cada vez mais forte e o grupo de acesso do Rio mostrando desfiles de alto nível, o grupo especial do Rio de Janeiro continua sendo o desfile mais conhecido e famoso. Mais uma vez a transmissão da Globo contou com a apresentação de Alex Escobar e Fátima Bernardes e os comentários de Pretinho da Serrinha e Milton Cunha. Num Carnaval que deu o que falar bem antes do desfile com toda a polêmica do corte de metade da verba que a prefeitura do Rio de Janeiro repassa para as escolas de samba. A criatividade se tornou um recurso ainda mais necessário para fazer um belo espetáculo no desfile.
Também lembrando que um desfile de escola de samba nao e feito apenas de luxo, plumas e paetês. Tem ingredientes como a emoção, que começou logo no desfile da primeira escola de domingo, o tradicional Império Serrano. A escola de coração do músico Arlindo Cruz, que ainda se recupera de um AVC sofrido há pouco mais de 1 ano. Que foi representado de maneira tocante por sua família. Seu filho Arlindinho desfilou chorando de emoção segurando um banjo, instrumento que o pai toca. A emoção da esposa Babi foi ainda maior. Além da lembrança do marido e da esperança que ele possa desfilar totalmente recuperado no ano que vem, a ex-porta-bandeira apresentou sua herdeira na vida e também no ofício Flora. A garota de 15 anos estreou como terceira porta-bandeira da escola ao lado do mestre-sala Yuri Pires.
O desfile da Mangueira apresentando o enredo “Com dinheiro ou sem dinheiro eu brinco” foi uma mensagem muito importante que nem todo mundo entendeu como deveria. O que é lamentável. Lembrando que em toda manifestação carnavalesca antes de qualquer coisa devia vir o povo se divertindo e se expressando como realmente é.
A campeã Beija-Flor e a surpreendente vice-campeã Paraíso do Tuiuti apostaram acertadamente na crítica social. A escola de Nilópolis apresentou o enredo “Monstro é aquele que não sabe amar - os filhos abandonados da pátria que os pariu” aliando os 200 anos do lançamento do livro Frankenstein, escrito por Mary Shelley, com os monstros que infelizmente convivemos no dia a dia, como a violência e a corrupção. A escola do bairro de São Cristóvão apresentou o enredo “Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?” lembrando que a Lei Áurea, assinada há quase 130 anos pela Princesa Isabel, não foi exatamente uma libertação total. Com o passar dos anos, a escravidão mostrou que tem outros formatos presentes até hoje, independente de cor da pele e condição social. O título oficial não veio, mas o emocionante desfile fez muita gente considerar a Paraíso do Tuiuti campeã moral do Carnaval deste ano.
A transmissão da Globo seguiu o modelo dos últimos anos, nem sempre valorizando o que deveria ser valorizado. É necessário mesmo que narradores e comentaristas falem quase o tempo inteiro do desfile? Nem sempre sobre o que é mostrado naquele momento. O samba-enredo, cada vez mais desvalorizado nas vinhetas exibidas nos intervalos da programação antes do Carnaval, mal tem toda sua letra exibida durante o desfile quando o narrador diz que vamos cantar junto com o intérprete. Se trata de um recurso importante para entender o enredo, não é uma musiquinha de fundo. É natural entrevistar as personalidades que participam do desfile. Mas precisa de tanto tempo assim pra mostrar os destaques do desfile que acabou e começar a mostrar o desfile da escola seguinte quando já está no meio da pista?
Por outro lado, o desfile das escolas de samba é um grande programa de televisão. Precisa ser atrativo e interessante para todos os públicos. Já foi uma atração mais valorizada, os sambas-enredo tocavam nas rádios e rendiam frutos lembrados até hoje. Como uma música cantada por várias torcidas que diz que o time é lindo, contagia e sacode a cidade. Diretamente do desfile do Salgueiro no longínquo ano de 1993. Mesmo continuando a ser líder de audiência, será que as coisas mudaram tanto assim pra despertar um maior desinteresse do público pela transmissão dos desfiles pela TV? Mas nem sempre nos lembramos que aquelas imagens que aparecem por pouco mais de 1 hora são fruto de 1 ano de muito estudo, pesquisa e trabalho e são uma importante manifestação da cultura brasileira, que merece espaço na telinha. Não são imagens gratuitas, mesmo com atrativos para alguma parcela do público como a sensualidade das belas mulheres que desfilam seminuas. O que também se reflete em decisões da Globo que a Liesa (Liga Independente das Escolas de Samba, entidade que reúne as escolas de samba do grupo especial do Rio de Janeiro) aceita mesmo não sendo favoráveis pra ela, como a diminuição do número de escolas por noite e começar a transmissão ao vivo na TV durante o desfile da segunda escola. Exibir eventos tarde da noite nem sempre ao vivo privilegiando outros interesses da programação é uma tática cada vez mais comum na Globo. Pode não ser a mais justa, mas vem sendo bem sucedida. Embora na maioria desses eventos algum canal a cabo transmite ao vivo desde o começo. Infelizmente ainda não é o caso dos desfiles das escolas de samba. Quem sabe um dia ainda seja.
Assim como no ano passado, a disputa terminou bem depois da apuração na quarta-feira de cinzas. Que rebaixou Grande Rio e Império Serrano. A escola de Duque de Caxias, que não apresentou o último carro alegórico previsto, alegou que este fato provocou a perda de décimos em algumas notas de Alegorias e Adereços. Tirar nota porque algo previsto não foi apresentado no desfile é atribuição dos jurados do quesito Enredo. Na plenária da Liesa em março, o rebaixamento das 2 escolas foi cancelado e o Grupo Especial do ano que vem terá 13 escolas, com o acréscimo da Viradouro, campeã do grupo de acesso deste ano. O Império Serrano pegou carona na reclamação da Grande Rio e se deu bem. E a Acadêmicos do Sossego, rebaixada no grupo de acesso, reclamou com a Lierj (Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, entidade que reúne as escolas de samba do referido grupo) e conseguiu seu objetivo. Continuará no grupo de acesso que manterá o mesmo número de escolas de samba deste ano, 13.
Estas últimas viradas de mesa no Carnaval carioca fazem pensar. Qual é a importância de seguir regras? Qual é o limite entre a exceção e a desculpa disfarçada de exceção pra conseguir o que se quer passando por cima de todos os outros interesses envolvidos? Será que apenas os políticos é que são corruptos? Perguntas que valem não apenas nesse caso do Carnaval, mas pra vida de cada um de nós, incluindo esta que vos escreve e reconhece que ainda tem muito o que aprender. Também é uma pena que a mensagem dos desfiles que lembraram do que está errado na sociedade parece ter ficado apenas durante o tempo que o desfile passou pela Marquês de Sapucaí para várias pessoas que poderiam ter usado este episódio do rebaixamento que foi sem nunca ter sido para mostrar que nem tudo está perdido, que aspectos como convivência e organização podem melhorar começando pelo Carnaval.
Para as escolas de samba o Carnaval nunca termina, e sim muda de fase. Quando um desfile acaba é hora de começar os preparativos para o próximo. Aos poucos anunciam seus enredos e suas novas contratações. Iniciando a construção do espetáculo do desfile do ano que vem. Ainda é cedo pra ter notícias sobre a transmissão da TV. Mas fica a esperança de que seja melhor do que a deste ano para todos os lados. Para que todos os envolvidos fiquem satisfeitos com o resultado final. Especialmente o público mesmo com todas as suas diferenças. Afinal, sem público não há motivo pra apresentação, não importa se é de perto ou pela TV. *Imagem do desfile da Beija-Flor, campeã do Carnaval deste ano. Créditos ao canal do Youtube Enredo e Samba.