Desde ontem, 18 de junho, às 15h30 o canal Viva exibe mais uma vez a novela Vale Tudo. Exibida originalmente na Globo no horário das 8 da noite na teoria, que na prática podia ser 20h30, 20h35, 20h40 ou até 21h15, entre maio de 1988 e janeiro de 1989, reprisada no Vale a Pena Ver de Novo entre maio e novembro de 1992 e no canal Viva entre outubro de 2010 e julho de 2011, a trama de Gilberto Braga e Aguinaldo Silva conta a história de duas mulheres ao mesmo tempo tão próximas e tão diferentes. Raquel (Regina Duarte) é honesta, batalhadora e acredita na força do trabalho. Sua filha Maria de Fátima (Glória Pires) é o completo oposto. Desonesta, interesseira e quer ficar rica a qualquer preço. Mesmo que pra isso tenha que passar por cima dos outros. Vende a casa onde a família mora, em Foz do Iguaçu, e foge pro Rio de Janeiro com o dinheiro deixando a mãe desamparada. Raquel também se muda para a capital carioca, logo começa a trabalhar vendendo sanduíches naturais na praia e reencontra a filha. Enquanto isso, Fátima, que ama César (Carlos Alberto Riccelli), tão mau caráter quanto ela, faz de tudo pra conquistar Afonso (Cássio Gabus Mendes), afinal, ele é muito rico. E tem como aliada a esnobe Odete Roitman (Beatriz Segall), mãe do rapaz. Nos embates entre Raquel e Fátima, e também entre outros inesquecíveis personagens, nos identificamos e nos questionamos. Vale a pena ser honesto? O Brasil ainda tem jeito? Vale tudo mesmo pra conquistar nossos objetivos? 30 anos se passaram e estas perguntas continuam sem resposta.
Alguns destes outros inesquecíveis personagens tornaram Vale Tudo uma novela mais inesquecível ainda. Por exemplo, Heleninha (Renata Sorrah), mulher frágil que encontra na bebida um alívio para os problemas pessoais. Mas ao mesmo tempo precisa reconhecer que é alcóolatra e tem que se tratar. Protagonista de uma das cenas mais lembradas da novela, quando em um de seus muitos porres pede pra tocar “um mambo caliente”. E também Solange (Lídia Brondi), jornalista estilosa, grande amor de Afonso, mas é traída por Fátima. A amiga virou inimiga, Fátima ganhou outra oponente pra duelar. Além da já citada Odete Roitman. Que não poupava críticas ao Brasil e ao povo brasileiro. O misterioso assassinato da personagem, exibido no capítulo da noite de Natal de 1988, parou e mobilizou o Brasil. Com direito a promoção feita por uma famosa marca de caldo de galinha dando um grande prêmio em dinheiro aos sorteados que acertassem o assassino. Ou melhor, a assassina. O país parou novamente na noite do último capítulo para saber o que realmente aconteceu nesse crime. Odete foi morta por Leila (Cássia Kiss), que atirou acidentalmente achando que era em Fátima, amante de seu marido, o inescrupuloso Marco Aurélio (Reginaldo Faria). Que protagonizou outra cena marcante da novela, quando foge para o exterior dando uma banana para o Brasil. Vale lembrar que 5 desfechos do assassinato foram escritos, mas apenas 1 foi gravado no mesmo dia da exibição do último capítulo.
As questões que Vale Tudo desperta continuam com uma impressionante modernidade. Contribuindo ainda mais para tornar a novela um dos maiores sucessos da nossa teledramaturgia. Um sucesso que atrai também os mais jovens, que não eram nascidos ou muito pequenos em 1988 e conheceram a novela na primeira reprise pelo Viva. Esta nova exibição de Vale Tudo é uma boa oportunidade de revermos conceitos que nem sempre temos da forma que achamos que é. Em vários sentidos. A tão sonhada reprise comemorando os 30 anos da novela é uma realidade. Pena que foi resultado de uma atitude desastrada. Percebendo que sua antecessora no horário, Bebê a Bordo, que curiosamente era a novela das 7 quando Vale Tudo foi exibida pela primeira vez e atualmente também é exibida pela Globo Portugal, não dava mais o retorno esperado, o Viva tomou uma atitude inédita. A partir do dia 30/04 passou a exibir os capítulos bastante editados. O que é estranho pra um canal que sempre exibiu as novelas na íntegra, incluindo até cenas de merchan de produtos e empresas que nem existem mais. Rapidamente o público percebeu e protestou nas redes sociais do canal querendo ver a novela na íntegra, exigindo seu direito. Contando também com a solidariedade de muitos telespectadores do Viva que não assistem a novela, mas compreenderam o precedente que essa atitude abre. O desejo do público foi atendido pelo menos em parte. O canal disponibilizou toda a novela na íntegra a partir de 07/05 no aplicativo Viva Play. Na televisão os capítulos continuaram sendo editados apressando o final da novela. Para que Vale Tudo começasse o mais rápido possível e possa recuperar o retorno desejado pelo canal. Claro que todo canal quer ter muita audiência e faz o que pode pra isso. Mas o próprio Viva também anda precisando refletir sobre algumas questões propostas por Vale Tudo. Vale a pena passar por cima de quem assiste a atração que não dá o retorno esperado? Será que apenas uma parcela do público é importante para o canal? Será que a televisão é feita apenas do dinheiro vindo dos anunciantes? Qual é a importância da honestidade na relação entre canal de TV e telespectadores?
Sem dúvida se o Viva tivesse esperado Bebê a Bordo terminar naturalmente pra aí anunciar esta nova reprise de Vale Tudo, a notícia teria uma melhor aceitação. Apesar de que não é uma unanimidade entre o público do canal reprisar novelas que já passaram por ele. A qualidade de Vale Tudo consolidou a novela na história, conquistou e tem tudo pra conquistar ainda mais o interesse dos noveleiros de várias gerações. Tomara que esta reprise faça muito sucesso, ajude o Viva a reconhecer que a importância de seu público é muito maior do que se imaginava, este mesmo público tem diferenças que precisam ser respeitadas na medida do possível e que, principalmente, não perca sua própria essência parando de vez com essa ideia infeliz de editar novelas. Cabe também ao público fazer sua parte. Reconhecer que as novelas são retratos de sua época e da sociedade. Que nem sempre são o que achamos e convencionamos que são. Se o que está na telinha não agrada é melhor usar o controle remoto procurando algo mais agradável e respeitando quem gosta do que é exibido. Afinal, como diria o ditado popular, respeito é bom e todo mundo gosta. Fica a esperança que esta nova reprise de Vale Tudo também seja um marco para necessárias mudanças de pensamento sobre teledramaturgia e estratégias de programação para o Viva e seu público.